Melo e Pocovi (2002, p. 39) também apontam que: "Uma abordagem emancipatória pressupõe desvendar esses modelos e projetar a ruptura de ordens estabelecidas, na busca de um novo modelo que aponte para uma nova sociedade que estabeleça a igualdade, atendendo a diversidades cultural, com uma nova compreensão da dimensão sexualidade como parte indissociável dos direitos humanos no processo de construção da cidadania."
A sexualidade é um conceito cultural constituído pela qualidade e significação do sexo. Nesse sentido, somente a espécie humana ostenta uma sexualidade, uma construção social, uma qualidade cultural e significativa do sexo.
Para definir a sexualidade consideramos Nunes (1996) afirma que a sexualidade é uma área de saber e de investigação essencialmente complexa e polêmica, por envolver dogmas religiosos, valores éticos e estéticos, enfim a subjetividade. E nos aponta a necessidade de se fazer a superação da visão simplista, preconceituosa, moralista, equivocada, condicionada pela ideologia dominante, caracterizada pelo senso-comum.
Foucault (1997, p.12) afirma que “a sexualidade é uma interação social, uma vez que se constitui historicamente a partir de múltiplos discursos sobre sexo; discursos que regulam, que normatizatizam e instauram saberes que produzem verdades.”
Concordamos com Nunes e Silva (2000, p.73) ao afirmarem:
[...] Entendemos que a sexualidade é uma marca única do homem, uma característica somente desenvolvida e presente na condição cultural e histórica do homem [...] A sexualidade transcende a consideração meramente biológica, centrada na reprodução das capacidades instintivas [...] A sexualidade é a própria vivência e significação do sexo, para além do determinismo naturalista, isto é, carrega dentro de si a intencionalidade e a escolha, que a tornam uma dimensão humana, dialógica, cultural [...].
No que se refere ainda ao conceito de sexualidade, Chauí (1984, p.15) coloca:
Não se confunde com um instinto, nem com um objeto (parceiro). Ela é polimorfa, polivalente, ultrapassa a necessidade fisiológica e tem haver com a simbolização do desejo. Não se reduz aos órgãos genitais [...] porque qualquer região do corpo é susceptível de prazer sexual, desde que tenha sido investida de erotismo na vida de alguém, e porque a satisfação sexual pode ser alcançada sem a união genital.
Corroborando tal conceituação, Costa (1994, p.1) diz que a sexualidade pode ser entendida como “o termo que se refere ao conjunto de fenômenos da vida sexual”, envolvendo, além da dimensão biológica, os relacionamentos, o erotismo, a fantasia, o prazer e também questões culturais, religiosas, simbolizações, a própria construção humana, não se limitando apenas às genitálias.
A Sexualidade é uma das dimensões humanas mais complexas, configurando-se como um dos núcleos estruturantes que forma a totalidade humana. Pode-se defini-la como tudo que nos dá prazer, como tudo que nos motiva a viver. Sexualidade é sinônimo de amor, de afetividade, de relação humana.
E como bem coloca Freire (1996, p.17):
Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em relação uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu.
A sexualidade pode também ser definida como necessidade que todo ser humano tem de buscar sensações, bem-estar, prazer, afeto, contato e carinho. É poder manifestar através de diferentes maneiras: bem-estar, alegria, estímulo, desejos, fantasias, curiosidade do outro, relacionamentos de amizade, amor, afeto, carinho, contato físico, sexo, sensibilidade, prazer, entre outros.
Consideramos que a sexualidade seja um dos aspectos centrais da vida, envolvendo sexo, papéis sexuais, orientação sexual, erotismo, prazer, envolvimento emocional, amor e reprodução. A sexualidade envolve, além do nosso corpo, nossa história, costumes, religião, relações afetivas, enfim, nossa cultura.
Quando abordarmos a Educação Sexual também precisamos ter em mente como afirma Saviani (1999, p.98) que: “Toda prática educativa contém inevitavelmente uma prática política." Pode-se dizer que educar significa estabelecer uma posição política e assim ter como objetivo principal a manutenção ou a mudança na estrutura do poder. Ou seja, a forma como tratamos do tema pode contribuir para a repressão, para a emancipação ou mesmo para consolidar a visão mercantilista da sexualidade.
Assim como Saviani (1987, p.36) consideramos que toda relação de hegemonia é pedagógica, sendo assim, cabe entendermos a educação como instrumento de luta. Luta para estabelecer uma nova relação hegemônica que permita construir um novo bloco histórico. Mas a constituição de uma nova sociedade não será possível sem a elevação do nível cultural de massas. Porém, a única maneira de formar uma contra-hegemonia, é a criação de uma cultura popular que estabeleça uma nova visão de mundo, normas e valores; de uma nova sociedade que substitua o consenso da burguesia. Para isto, as camadas desfavorecidas terão que dominar os conteúdos do ensino escolar, como afirma Saviani (1999, p.66):
Se os membros das camadas populares não dominarem os conteúdos culturais, eles não podem fazer valer os seus interesses porque ficam desarmados contra os dominadores, que servem exatamente destes conteúdos culturais para legitimar e consolidar a sua dominação [...] O dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam.
Esta é uma questão histórica, pois, as finalidades da educação sempre estiveram vinculadas aos interesses das classes dominantes, detentoras do poder político e econômico, as quais, objetivando a manutenção de seus privilégios, utilizam-se de um plano ideológico para, mascaradamente, designar às classes desfavorecidas (que SAVIANI chama de “dominados”) definindo quais serão suas posições ou seus papéis na sociedade; conduzindo-as a assimilar e repassar às futuras gerações a ideia de que não é possível mudar essa realidade, exatamente porque a escola é excludente e não propiciou-lhes a aquisição do conhecimento e consecutivamente do discernimento necessário para formar e transformar suas concepções de mundo.
Temos que saber o que somos e o que fomos para saber o que seremos, o que significa observar o passado para poder projetar ações futuras capazes de transformar a sociedade fechada que vivemos. Sociedade esta que se caracteriza pela manutenção do status quo, do privilégio das elites, que transforma o povo em massa, que se diz moderna, mas que no fundo não é tecnológica e sim servil, ao dicotomizar o trabalho manual e o intelectual; a qual se governa não para o povo, nem com o povo, mas sob o povo. Precisamos começar a olhar o mundo com olhos próprios e adquirirmos consciência do nosso próprio existir, olhar para a realidade com critério pessoal, com autenticidade. Precisamos ter orgulho do que somos e buscar a cada dia nos superarmos, buscando partir de nossas próprias possibilidades ser nós mesmos, para deixarmos de ser passivos. Não podemos continuar sendo ingênuos. E é somente a partir da aquisição de conhecimento que deixaremos de ser, pois a educação nos abre perspectivas e nos oferece instrumentos que nos levam para que a partir de nossa conscientização passemos a exigir vez, voto e voz ativa. Sair da posição ingênua e ocupar nosso espaço, participando das decisões e assumindo um compromisso consigo mesmo, de superação e de não aceitação da realidade.
Nosso pensar e (re)pensar a sexualidade visualiza a Pedagogia Histórico Crítica como perspectiva de uma educação afetivo-sexual crítica-emancipatória.O objetivo deste blog parte do entendimento de Saviani (1980, p. 17) que a “educação é uma atividade que supõe a heterogeneidade (diferença) no ponto de partida e a homogeneidade (igualdade) no ponto de chegada.”
O conhecimento científico é base de nossas reflexões, porém, a linguagem aqui utilizada tenta fugir do erudito e ser acessível a todos especialmente à população, entendendo que nossa função social é provocar reflexões sobre visão senso comum. Os “intelectuais” não são nosso foco, pois muitos deles acreditam e dizem “sabem tudo, ou muito mais do que isso”. O que buscamos é lançar inquietações e oferecer ferramentas que levem as pessoas “à passagem do senso comum à consciência filosófica”. Portanto, nosso objetivo não é trazer respostas prontas, mas provocar nas pessoas o desejo de conhecer mais, de ir além, de ler mais, de compreender a construção sócio-histórica-cultural da sexualidade.
Acreditamos que nosso papel de educadora sexual seja lançar o desejo das pessoas e das novas gerações em ter “acesso [...] ao mundo do saber sistematizado, do saber metódico, científico” (SAVIANI, 2008, p. 75). E se queremos assumir isto, devemos nos colocar “na perspectiva da ‘emergente classe trabalhadora” e, romper “com a velha concepção de cultura” (p. 95) que foram inculcadas pela classe dominante em nossa práxis e na vivência da sexualidade, através de uma fundamentação histórico crítica.
Uma das maiores dificuldades dos educadores está em transpor a teoria para a prática, porém, “a teoria desvinculada da prática se configura como contemplação, a prática desvinculada da teoria é puro espontaneísmo. É o fazer pelo fazer.” (p.141) E essa possibilidade concreta de transpor a teoria para a práxis não se dá de maneira espontânea, mas através de muito estudo, de leituras e reflexões. Nesse sentido este blog para nossa alegria, tem se configurado num espaço precioso e recebido o reconhecimento de milhares pessoas de todo mundo e de muitos educadores que como nós, reconhecem que são eternos aprendizes e pouco sabemos diante do vasto campo do conhecimento. O que se torna motivação, para continuamos nossa luta e socializar nossas reflexões objetivando de alguma forma contribuir para lançar questionamentos e provocar perguntas e buscas maiores do leitores e ouvintes nos clássicos, no conhecimento erudito, rompendo então com as limitações sociais impostas sobre a sexualidade e a educação sexual, afim de que, reconheçam as limitações, preconceitos, e possam ampliar seus horizontes, conhecer seus direitos, construir sua ética, entender suas responsabilidades afetivas, reconstruir sua história. Parafraseando Sartre: “primeiro temos que saber o que fizeram de nós, mas o mais importante é decidir o que fazer com o que fizeram de nós”.
Nessa perspectiva buscamos oportunizar uma educação afetivo-sexual emancipatória e crítica pautada na conscientização, e pensando a partir da Pedagogia Histórico Crítica (corrente pedagógica criada por Dermeval Saviani) que tem como objetivo a superação da dominação das classes populares (que se dá através da aquisição do conhecimento) e que os docentes possam ressignificar sua práxis, através da formulação de uma metodologia de ação apropriada, buscando resgatar e aprimorar os conteúdos significativos. Apontamos nesse sentido a importância do conhecimento das matrizes da sexualidade humana a partir dos clássicos dos estudos da sexualidade, de um olhar crítico sobre a história da sexualidade humana a partir dos saberes sistematizados.
Mas fique claro que, este espaço, não tem como objetivo ser referência aos denominados “intelectuais” e “cultos” de plantão, e sim, àqueles seres sábios e inconclusos como eu, que entendem que podemos aprender juntos nessa troca dialética de sonhos, utopias, reflexões, inquietações, leituras [...]. Que possamos crescer juntos e nos tornar sexualmente melhores. Entenda-se “sexualmente melhores” do ponto de vista humano, relacional, ético, prazeroso, afetivo e saudável. Pois, nosso entendimento de sexualidade perpassa pelo desenvolvimento e o relacionamento humano, englobando nossas sensações, sentimentos, percepções, enfim, nossa história que não é determinista, mas se apresenta como possibilidade.
A linguagem aqui utilizada busca ser clara, objetiva e de fácil entendimento, ou seja, acessível a toda população, pois nossa maior proposição é contribuir para provocar nestas pessoas indagações sofre suas formas de viver e sentir a sexualidade. Se você como eu, acredita que podemos aprender juntos, bem vindos sempre! Se você já sabe mais do que isso, procure outros espaços, pois entendemos a vida sempre, como democracia, e ninguém é obrigado a ler, ouvir o que escrevo, mas respeitar sim, assim como respeito o trabalho de todos. Nosso trabalho graças Deus e à nossa dedicação tem recebido surpreendentemente milhares de manifestações positivas, dentro e fora da academia, isso é o que importa. Temos consciência e clareza que estamos contribuindo e cumprindo com nosso papel de educadora sexual. Peço inclusive, desculpa e paciência àqueles que nos enviam e-mails, pois as demandas de trabalho e contato tem sido grandiosas, mas aos poucos vou responder a todos com o carinho e atenção merecida. Continuem escrevendo, é sempre uma alegria ler os recados e esclarecer as perguntas de vocês.
Essa foi a forma que encontramos (diga-se, reconhecida por milhares de pessoas) como um precioso espaço de aprendizado, de despertar a necessidade de superar a visão senso comum por uma visão crítica-filosófica. Aqui buscamos socializar nossos aprendizados nessa trajetória humana e acadêmica. Claramente repito: não estou aqui para agradar ninguém, mas para lutar pelo que acredito e multiplicar o que tenho aprendido, lembrando sempre, que tenho muito mais a aprender. E acredito que, "a arte maior é o jeito de cada um. Vivo pra ser feliz, não vivo pra ser comum." ♫
Obrigada a todos que seguem, divulgam, escrevem e-mails, enfim, que anonimamente ou não, se fazem presentes neste espaço que é, de todos aqueles que como nós,apesar dos apesares, ainda lutam e acreditam que “amanhã há de ser um novo dia”. “E que a vida devia ser bem melhor, e será! Mas isso, não impede que eu repita: é bonita! É bonita! E é bonita”!
Abraços afetuosos,
Profª Dra Cláudia Bonfim