terça-feira, 28 de abril de 2015

Entrevista sobre Sexualização e Gênero no Funk

A entrevista que concedi ontem, por telefone, para o repórter da BBC de Londres teve como pauta   discutir sexualização e gênero no funk – por que o caso da menina gerou muito mais raiva do que o dos meninos? Haveria nesta discussão um ataque especifico ao funk como gênero musical? A dignidade de toda criança tem que ser preservada, não importa o gênero. No entanto, numa sociedade historicamente machista, a  polêmica é muito maior quando  envolve meninas. A dupla moral e a educação dual sempre se fez presente em todos os âmbitos da sociedade. A erotização precoce da criança, a sexualização, a sensualização dos corpos é inaceitável para meninas e meninos. Jamais uma criança, mesmo convivendo em meio ao funk,  teria a consciência da dimensão do que esta exposição representa. Temos que dizer NÃO à erotização e à exploração infantil, pois isto implica em prejuízos psicológicos à essas crianças e adolescentes. Claro que o Funk apresenta uma linguagem pesada e inapropriada, mas temos que lembrar que há também outros estilos musicais que trazem coreografias e letras que apresentam um teor sexual também explícitos.  Segue abaixo alguns trechos da entrevista que concedi ontem ao repórter da  BBC de Londres, reproduzido no site da BBC no Brasil. A entrevista foi replicada em alguns outros sites também postarei os links.

Por que o caso da menina gerou muito mais raiva do que o dos meninos?

Nós vivemos numa sociedade de origem patriarcal, machista em que os valores e a educação para meninos e meninas sempre foi dual. Ainda hoje  a sociedade a escola e os pais reproduzem uma educação que dissemina a desigualdades entre o gêneros,  fortalecendo um comportamento machista, acarretando desrespeito, e a submissão à mulher. Nós defendemos  uma educação que seja igualitária e que haja respeito  desassociado de gêneros. Esses estereótipos que a sociedade criou e reproduz, consolida uma sociedade machista e desigual entre os gêneros.
Lembrando como cito em meu livros que gênero é o que “determina” aquilo que culturalmente seriam características do ser “masculino” e do “feminino”: forma física, anatomia, maneira de se vestir, falar, gesticular, enfim as atitudes, comportamentos, valores e interesses de cada gênero ( lembrando que essas características são designadas pela sociedade culturalmente dominante). Essas diferenças são estabelecidas historicamente, de acordo com dada sociedade, e influenciadas por sua cultura. Portanto, elas representam uma categoria histórica e não são naturalmente determinadas. As regras impostas à mulher no tocante à sexualidade não são as mesmas impostas ao homem. Aliás, o duplo padrão de moralidade e liberdade sexual é histórico.
Ao menino desde cedo se estimula ou permite uma educação sexualizada, onde desde pequeno o falo é o símbolo do ser homem e pode ser mostrado com toda naturalidade. Já pra menina há uma repressão. Um exemplo básico é quando meninos pequenos (1, 2, 3 anos) serem estimulados pelos pais a mostrarem o pênis (que eles chamam de "pipizinho" aos demais familiares, ou dizem pra todos que o filho tem saco roxo) exibindo o falo como símbolo de masculinidade, como se ser homem se reduzisse a ter um pênis, Já as meninas são sempre chamadas atenção e orientadas a sentar de pernas fechadas reprimindo suas genitálias. Historicamente os meninos eram levados à prostíbulos (casas de prostituição) para iniciarem suas vidas sexuais, enquanto para as meninas se promovia o discurso de casar-se virgem. Um duplo padrão moral e sexual que mesmo com todos os avanços ainda estão presentes em nossa sociedade que não conseguiu superar as raízes patriarcais e machistas e ainda consolida uma educação sexista.
Temos que promover um educação que supere essa desigualdade de onde MENINOS E MENINAS tenham um educação igualitária pautada em valores éticos e estéticos. Esses comportamentos sexualizados na infância não podem ser vistos como normais, independente da cultura, do meio que estão inseridos, eles são crianças e adolescentes. Se formos considerar normal só porque faz parte do meio que eles convivem, deveríamos então considerar normal uma mulher ter seu hímen cortado só porque faz parte da cultura machista inaceitável que fere os direitos humanos de qualquer pessoa? É claro que não podemos aceitar que qualquer pessoa tenha sua dignidade afetada, muito menos nossas crianças e adolescentes.
O machismo precisa ser superado, é fruto dele muitas das violências que as mulheres sofrem a cada minuto neste país.
Homens e mulheres são produtos e vítimas da sociedade machista que os educou. É contra ela essencialmente devemos lutar. E começa combatendo a a  exploração e exposição de nossas crianças.

Não haveria nesta discussão um ataque especifico ao funk como genero musical?
Eu não acredito que seja um ataque específico ao funk até porque há outros estilos musicais notadamente nos dias de hoje que reproduzem mensagens sensuais, sexuais, como algumas músicas sertanejas e outras, que não necessariamente as letras são sexualizadas, mas a coreografia é.  A preocupação ao meu ver é muito maior com as consequências psicológicas e até mesmo físicas desta exposição da criança.
O problema é relativização do erotismo infantil. Não podemos achar que como normal uma criança se comportar dessa forma, se inserir numa conteto de sexualização onde os  comportamentos  e linguagens são inadequados à idade.  Nós temos que atuar na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, zelar pela dignidade e pelo desenvolvimento saudável da criança e isto independe do gênero.  O estímulo à sexualização nesta idade trará prejuízos psicológicos  imediatos e futuros à vivência da sexualidade dessa criança e adolescentes e os expõe à abusos e explorações.  Antecipa fases e faz com que estas crianças  deixando de viver outras. Uma criança erotizada pelos pais na infância poderá lidar com questões sexuais de maneira precipitada, patológica, quantitativa, exacerbada. E futuramente viver buscas desenfreadas pelo prazer. Elas não tem discernimento para viver isso de maneira consciente e responsável.  O bem-estar da criança precisa ser preservado para que  não sofra as conseqüências físicas, sociais e psicológicas na fase adulta. Faz-se necessário que pais e educadores compreendam que os paradigmas da sexualidade mudaram, e em muitos aspectos se tornaram precoces e exacerbados nas últimas décadas. A erotização precoce da criança pode induzir à vivência da sexualidade de maneira banal, vulgar, que induzem à um visão reducionista, distorcida, genitalista e quantitativa da sexualidade. A infância tem sido cada dia mais curta. Rompida negativamente por uma erotização precoce da criança, que inconscientemente passa a ser vítima de uma sociedade que reduz a sexualidade ao ato sexual, de maneira banal, meramente instintiva e quantitativa.
Sabemos que a mídia cria símbolos sexuais e significações que influenciam profundamente o comportamento social, especialmente crianças e adolescentes que ainda não possuem discernimento desses “modelos” estrategicamente idealizados de forma a induzir a venda de produtos ou modelos denominados “modernos” de comportamento. E consideramos que, se a escola não se posicionar, torna-se um, dentre os mais variados cenários, dessa legitimação dos discursos da mídia (sendo esta o aparelho que legitima o discurso que a sociedade capitalista considera ideal nos dias de hoje). Desde o vestuário à fala dos personagens, as relações sexuais passam a direcionar em grande número a construção da identidade sexual das crianças e jovens, condicionados a adaptarem seus valores a partir dos “modelos” criados pela mídia. O que muitas vezes ocorre no discurso do professor e mesmo familiar é uma visível contradição, pois dentro do espaço escolar e familiar, muitos pais e professores se posicionam de forma repressora e conservadora, no entanto, no espaço social, estes também se adaptam aos modelos construídos pela mídia, o que não se configura em exemplo prático, mas tão somente numa falácia discursiva.
Através das influências da mídia, crianças e adolescentes são condicionados a construírem sua identidade social e sexual. As telenovelas, os programas televisivos, os instrumentos publicitários, entre outros, modelam o comportamentos de crianças, adolescentes e mesmo jovens, influenciando profundamente sua maneira de ver e agir. Além de transformar a sexualidade num produto de consumo, a mídia ainda promove a construção de compreensões diversificadas das relações do gênero, funcionando como “modelos” de condutas sexuais. Ou seja, a sociedade capitalista tem contribuído cada dia mais para a erotização precoce das crianças, estimulando desejos e incitando-as a iniciarem precocemente sua vivência. No entanto, devemos lembrar que a criança não reproduz apenas o que ela visualiza na mídia e sim, muitas vezes o que ela visualiza em suas próprias casas. A mesma sociedade que fica perplexa com os casos de abuso sexual, pedofilia e exploração sexual infantil, aplaude os programas, as novelas, as músicas e os artistas que ainda que inconscientemente estimulam a erotização de seus filhos.Na sociedade que virtualizou e mercantilizou o sexo e a sexualidade, pode-se dizer que estamos caminhando, para não afirmar que estamos vivendo, em tempos de uma sexualidade meramente instintiva, compensatória e desumanizada, sem levarmos em conta a dimensão ética. A sociedade capitalista vê o corpo como mera força de trabalho e com a mercantilização do sexo, o corpo produtor de bens, passa a ser “ele próprio” objeto, fonte de produção capital.
O uso de roupas que sensualizam precocemente o corpo, as músicas de apelos sexuais expõem as crianças e adolescentes precocomente à erotização, ao abuso moral e à violência sexual, à pedofilia. O que traz implicações sociais e especialmente psicológicas graves.
Portanto, os pais devem entender que tudo que se torna socialmente aceitável para a criança está no imaginário dos pais. A criança ainda não adquiriu o discernimento necessário para saber o que de fato pode ser bom ou ruim, e isto ela só vai adquirir se for orientada adequadamente, a criança ainda está construindo sua identidade, e com a omissão ou permissividade dos pais fica exposta aos apelos publicitários e à “onda moderna” da sociedade.
Porém, os pedófilos não enxergam apenas uma criança, enxergam um corpo erótico e não se importam se este corpo erótico é de uma criança, ou seja, isso não é condição “sine qua non”, a sensualização do corpo da criança vai despertar ainda mais o desejo do pedófilo, pois para aqueles que possuem uma personalidade pervertida, isso significa apenas mais um estímulo.
E lembrando Freud, outro fator fundamental a ser lembrado é que faz-se necessário que completemos cada fase de nossa vida, portanto antecipar a puberdade, a erotização e a vida sexual ativa, acarreta prejuízos psicológicos graves, pois não conseguimos atingir a maturidade psicológica necessária para vivermos a fase seguinte, por queimarmos etapas essenciais para o desenvolvimento saudável da criança, bem como não estabelecendo que cada fase da vida tem suas possibilidades e limites que devem ser respeitados e vividos plenamente. Estimular a vaidade excessiva e precoce da criança pode nos custar muito caro, pois a maior vítima dessa permissividade ou omissão são nossos próprios filhos.
Lutamos contra a erotização infantil e por uma educação sexual emancipatória, livre de pseudomoralismos, mas pautada em valores éticos e estéticos para uma vivência responsável, prazerosa e humanizada da sexualidade. Devemos orientar nossas crianças à como reconhecer um abuso sexual, para que não sejam vítimas de violências sejam elas simbólicas, psicológicas ou físicas. Preservar a dignidade e garantir o desenvolvimento saudável de nossas crianças e adolescentes é um dever dos pais, da família e da sociedade. A Sexualidade é fundamental e maravilhosa, mas como tudo na vida exige maturidade, responsabilidade e a hora certa para acontecer. Antecipar uma vivência sexual inclusive pode provocar traumas e frustrações que dificilmente conseguem ser superados.
Não é fácil atingir o equilíbrio e saber dosar entre o que pode ser lúdico e saudável e o que acentua uma erotização precoce e estimula a sexualidade exacerbada. Por isso, a necessidade dos pais e educadores conhecerem como se desenvolve a sexualidade humana e especialmente as fases do desenvolvimento infantil para orientá-las desde a infância adequadamente, para que possam vivenciar uma sexualidade prazerosa, qualitativa, livres de dogmas e moralismos, mas ética e responsável afetiva e corporalmente.

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