ENTREVISTA Profª
Dra Cláudia Bonfim (Pesquisadora Grupo Paidéia-UNICAMP, Educadora Sexual,
Doutora em História, Filosofia e Educação, com tese sobre Educação Sexual, Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Educação Sexual (ABRADES), Docente e Coordenadora do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Sexualidade (GEPES-PET-MEC-CAPES) da
Faculdade de Ensino Superior Dom Bosco.
Tema: Comportamento
no Carnaval concedia para a Jornalista Nara Assunção do Jornal Boqnews, de
Santos/SP.
- Em primeiro lugar
gostaria de saber se você acredita que nesta época as pessoas realmente fazem
mais sexo casual? De onde surgiu esta pratica? Porque existe esta
extravagância? E como você avalia este comportamento?
Historicamente, o carnaval tem sua origem a partir
das festas pagãs da Grécia antiga como um culto a Dioniso, o deus do vinho e da
festa, caracterizava-se como um verdadeiro bacanal de orgias, com muita comida
e bebidas incluindo a exaltação do corpo (carne) como princípio da alegria. Segundo
estudos o Carnaval deriva-se como uma rebeldia ao Cristianismo da Idade Média.
Surgindo em meados do século XI, devido a Semana Santa da Igreja Católica e
como rebeldia aos 40 dias de jejum carnal que marcou então o início de festas
de carnaval antecedentes à quarta-feira de Cinzas, que é o primeiro dia da
quaresma. Marcando um "adeus à carne" dando origem ao termo
"Carnaval". Ou seja, podemos
historicamente constatar que não é de hoje que o "carnaval" está,
ligado ao deleite dos prazeres da carne marcado pela expressão "carnis
valles", que, acabou por formar a palavra "carnaval", sendo que
"carnis" do grego significa carne e "valles" significa
prazeres.
Na antiguidade as festas carnavalescas se
configuravam por celebrações que envolviam muita bebida, comida, e a busca
incessante dos prazeres. A festa durava cerca de sete dias nas ruas, praças e
casas da Antiga Roma. Naquela época eram suspensas todas as atividades
comerciais e inclusive até os escravos tinham temporariamente liberdade para
festejar; Sempre foi uma época em que a moral era deixada de lado.
Constituía-se também numa época onde havia troca de presentes entre as pessoas,
e havia a escolha de um rei, numa eleição de brincadeira, o qual passava a
comandar o cortejo pelas ruas e as tradicionais fitas de lã que amarravam aos
pés da estátua do deus Saturno eram retiradas, como se a cidade o convidasse
para participar da folia.
Já no período do Renascimento o Carnaval ganhou um
formato mais elitizado, com os bailes de máscaras, caríssimas fantasias e os
carros alegóricos. E aos poucos perdendo seu caráter de festa popular chegando
ao formato atual.
Nos dias de hoje o Carnaval tem um formato
moderno, fruto da época vitoriana do
séxilo XIX, com de desfiles onde se gastam milhões e fantasias caríssimas.
Paris foi um dos principais exportadores desse modelo de carnaval para o mundo.
Inclusive foi inspiração para a festa carnavalesca do Rio de Janeiro, e
posteriormente São Paulo, com desfiles de Escolas de Samba.
No Brasil a etimologia de Carnaval – carrum
navalis(carro naval ou carro alegórico) e carne levare (abstenção de
carne) é de origem latina, mas a expressão do termo que há muito deixou de
se constituir o “abre-alas” das famosas marchinhas, brincadeiras engraçadas,
exposição de fantasias e personagens semelhantes ou próximos do inusitado
“entrudo”, festa do “entrudo”, assim chamado o nosso carnaval brasileiro quando
trazido pelos portugueses, ou seja, sem conotação com a sexualidade, mas sua
origem e objetivo que eram de alegria e brincadeiras foi descaracterizado e
sexualizado.
Considerada a maior festa de rua de mundo, hoje, o
Carnaval do Salvador está no Guinness Book. Ainda cidades como Recife,
Pernambuco, possuem o maior bloco de carnaval do mundo, o chamado Galo da
Madrugada. Embora o Carnaval de Salvador não possa de fato ser considerado uma
festa popular, se pensarmos no sentido de acesso a todos, pois sabemos que os
camarotes e as camisetas para participar efetivamente da festa carnavalesca nos
blocos são caríssimas e nada acessíveis à maioria da população brasileira.
Virou uma festa mercantil em todos os sentidos, materiais e sexuais.
Em relação à liberalidade da vivência da sexualidade
na época do carnaval, as pessoas podem questionar que pelo fato da origem
histórica das festas carnavalescas advirem das festas pagãs da Grécia e da Roma
Antiga se configuravam por celebrações que envolviam muita comida, bebida e a
busca incessante sexuais, que então seria natural que o carnaval nos dias de
hoje seja uma festa de apologia ao sexo e aos prazeres desmedidos em geral.
Mas questiono: na antiguidade as pessoas não tinham
acesso ao conhecimento, não tinham liberdade para questionar a moral
estabelecida. Não tinham acesso à informações ou orientações sobre a
sexualidade. Sequer imaginavam a importância real da sexualidade para sua vida,
e muito menos compreendiam como se dava o desenvolvimento psicossexual de uma
pessoa e o quanto a sexualidade influencia na nossa identidade humana, em
nossos relacionamentos, e nossos
sentimentos. E hoje estamos em pleno século XXI, temos acesso ao conhecimento,
temos liberdade ética de escolha, informações e algumas orientações. E ainda
não desenvolvemos uma consciência ética sobre a vivência livre da nossa
sexualidade.
Ainda que historicamente o carnaval sempre esteja
ligado à liberalidade da sexualidade? Eu lhes pergunto: o que é de fato
poder viver uma sexualidade livre? Bem,
a vivência da sexualidade diz respeito a cada um, mas essa vivência deve ser
uma escolha consciente, responsável, e que não coloque em risco sua saúde
física e emocional, nem das pessoas com as quais você se relaciona. As
pessoas que gostam devem curtir o
Carnaval com alegria, com consciência, com prazer, mas com
responsabilidade, com equilíbrio para que essa alegria do carnaval possa se
estender como um bem-estar para sua vida. Ser verdadeiramente livre, não é
continuar sendo mais uma ovelha no rebanho, nem
se deixar levar pela maré, mas ousar construir seu caminho. Então eu
termino parafraseando Sartre: primeiro temos que saber o que fizeram de nós,
mas isso não basta para sermos livres, mais
importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos
do que os outros fizeram de nós.
- Qual a sua opinião em relação às campanhas do Governo de distribuição de camisinha? Em uma de suas entrevistas você comenta que elas acabam incentivando o sexo banal. Qual seria então a solução? De que maneira podemos evoluir em termo de educação sexual?
Fico
indignada como o carnaval cada vez mais se consolida como época de estímulo ao
sexo quantitativo e banal. Com a chegada
do Carnaval a mídia é tomada por Campanhas
especialmente governamentais de combate a DST´s e AIDS, embora também
importantes sabemos que a distribuição de preservativo por si só, são
insuficientes para formar consciências, afinal temos que nos questionar até que ponto essas campanhas estilo Liberou
Geral contribuem positivamente para um educação afetivo-sexual emancipatória?
Nesta
época especialmente, o governo distribui milhões de preservativos em todo
Brasil, como se as problemáticas da sexualidade se reduzissem apenas à
prevenção de Aids, DST´s e gravidez não planejada. Como se a sexualidade se
resumisse ao sexo, como se isto fosse o principal da educação sexual. Temos que
distribuir preservativos sim! Temos que usar preservativo SEMPRE. Mas apenas isto não basta para consideramos
como educação sexual. Ou seja, ainda que forma oculta isto estimula sim a
vivência do sexo banal, de maneira velada: alguns entendem que no carnaval pode
tudo! Fora os gastos absurdos com a
disponibilização de ambulâncias,
policiamento, enfermeiros para atender os casos de embriaguez, violência e
acidentes causados por alcoolismo e drogas. E o quanto se gasta com a
distribuição de preservativos, pílulas do Dia Seguinte, e testes de Aids?
E
acredita-se a distribuição de
preservativo basta para prevenir doenças e DST´s. Me revoltam algumas campanhas
reducionistas, que contribuem no âmbito da saúde (o que não deixa de ser
importante), mas não dão conta da complexidade e da amplitude sexualidade. E que não
contribuem de fato para reflexões sobre a vivência da sexualidade nos dias de
hoje.
NÃO
BASTA DISTRIBUIR CAMISINHA OU INFORMAR SOBRE COMO USAR O PRESERVATIVO.
PRECISAMOS PROMOVER ESPAÇOS DE REFLEXÃO QUE VISEM CONSCIENTIZAR, ORIENTAR. PRECISAMOS URGENTE
DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO AFETIVO-SEXUAL!
Ótimo
que, de certo modo, pelo menos as pessoas terão acesso aos preservativos, mas
nós que atuamos como educadores sexuais nas escolas e na sociedade sabemos
pelos relatos que ouvimos que a maioria dos jovens e adultos não usam preservativo. Não por falta
de acesso mas de consciência mesmo! Portanto, falta EDUCAÇÃO, ORIENTAÇÃO,
CONSCIENTIZAÇÃO! A distribuição de preservativos é uma medida que pode ajudar
mas são paliativas.
Pesquisei
na internet diversos slogans e folders de carnaval e fica claro como as
campanhas induzem ou de certa forma estimulam e acabam por reduzir carnaval a
ato sexual, parece que no carnaval sexo com camisinha está liberado e de certa
forma é aceito e estimulado socialmente. Me pergunto até que ponto estas
campanhas de fato educam? Reflitam! Veja as imagens abaixo.
Será
que as pessoas que são responsáveis por essas campanhas conhecem a história da
sexualidade humana? Será que sabem de fato definir Sexualidade? Será que sabem a importância e como se dá o
desenvolvimento psicossexual do ser humano? Lamentável! Temos que dissociar a
ideia que Carnaval com sexo, álcool, drogas, promiscuidade. A verdadeira
alegria é consciente!
CONVOCO
E INSISTO QUE A EDUCAÇÃO AFETIVO-SEXUAL É NECESSÁRIA NA FAMÍLIA, NA ESCOLA EM
TODOS OS ESPAÇOS, MAS UMA EDUCAÇÃO SEXUAL EMANCIPATÓRIA, NÃO UMA EDUCAÇÃO
SEXUAL QUE APENAS DISTRIBUA PRESERVATIVOS, E QUE TRATE DO LADO NEGATIVO DA
SEXUALIDADE (doenças).
Claro, acreditamos que a Educação Sexual, é
também uma maneira eficaz para combater doenças sexualmente transmissíveis
(DSTs), gravidez precoce, e este é um dos seus papéis, mas Educação
Afetivo-Sexual significa especialmente uma possibilidade de quebra de tabus e
preconceitos, de conscientização, de aquisição de uma ética sexual para a
vivência de uma sexualidade prazerosa, qualitativa, afetiva, significativa e
emancipatória.
Se
informações sobre métodos anticonceptivos, e uso de preservativos ou sobre
saúde sexual reprodutiva fossem suficientes não teríamos como apontam os dados
do próprio Ministério da Saúde ainda hoje altos indíces de DST´s e gravidez não
planejada. Informações biológicas e higienistas como estas existem há muito
tempo nas escolas e na sociedade, e embora sejam também necessárias, são
insuficientes. Será que ainda todos as problemáticas sociais referentes a
sexualidade, manchetes diariamente em jornais, Rádios, TV, Internet e revistas,
ainda não levou nossos governantes a
entenderem que só questões abordar questões médicas, higienistas, nunca
foram suficientes para EDUCAR, CONSCIENTIZAR. São preventivas e informativas no
âmbito da saúde e nem disso deram conta. Porque se dessem conta as pessoas já
usariam preservativos. Informar é muito diferente de Educar, Orientar e levar a
formação de consciências críticas.
Apesar dos “avanços ideológicos”, falta
atitude. Existe uma grande diferença entre informar e educar (orientar). Creio
que a Educação Sexual é um processo educativo que possibilita não apenas o
conhecimento biológico, mas a formação de valores e atitudes referentes à forma
como vivemos nossa sexualidade. Nesse viés, consideramos que a Educação Sexual
pode contribuir, entre outros fatores, para a diminuição dos índices de
gravidez na adolescência, a redução da transmissão entre os jovens de DSTs, mas
a partir do momento que tornar o jovem conhecedor do que representa a
sexualidade humana para si próprio e no contexto da sociedade brasileira.
A
Educação Afetivo-Sexual visa esclarecer sobre os tabus e preconceitos
existentes na sociedade, promovendo a afetividade, a consciência corporal, o respeito
pela liberdade de expressão, de orientação sexual, abrindo espaço para se
discutir conceitos e problemas da adolescência, namoro, sexo seguro, gravidez,
aborto, orientação sexual, abusos sexuais, violência, responsabilidade,
maturidade, e para falar de afetividade, desejo, prazer.
Mesmo com os “avanços” da liberdade sexual, é
possível constatar que a família ainda não privilegia um diálogo sobre
sexualidade ou este é pobre ou inexistente,; e mesmo nas escolas, o debate é
tímido e ocorre voltado para os aspectos biológicos; a escola ainda continua no
foco reprodutivo e preventivo como já constatei na tese os educadores, como
também os profissionais da saúde, parecem permanecer com posturas impregnadas
de preconceitos e tabus, talvez por também não possuírem um embasamento
histórico e teórico aprofundado sobre o tema em questão.
Precisamos
gerar inquietações e provocar reflexões dialógicas críticas que possam contribuir para o alcance da
melhor maneira de como lidar com a sexualidade em termos de troca de afeto e
prazer. E isto implica numa educação afetivo-sexual de todos nós: educadores,
pais, adolescentes. Pois, o desenvolvimento psicossexual se dá nas interações,
afetos e desafetos das pessoas com as quais convive, especialmente na infância.
Lamentavalmente, a educação sexual que temos está longe da que queremos ter,
pois esta deve conciliar as abordagens
biológica, médica, psíquica, política, histórica, social, cultural, conforme se
almeja.
Falar da parte operacional e biológica da
sexualidade é um primeiro passo, mas não o único caminho. Temos que ir além,
educar e produzir reflexões que levem os jovens formar uma consciência ética
sobre sua sexualidade, e isto requer mais que técnicas, métodos, ou posições
sexuais. Requer uma educação afetivo-sexual que realmente vise a busca da
compreensão de si mesmo, e da beleza e da importância da sexualidade para o
desenvolvimento e o relacionamento humano em todas as suas vertentes. Para
nossa humanização e respeito consigo mesmo e com o outro.
É
emergencial UMA POLÍTICA SEXUAL SOCIAL QUE ALÉM DESSE ENFOQUE
MÉDICO-HIGIENISTA-BIOLÓGICO atenda a SEXUALIDADE em sua totalidade. Faz-se necessário
desenvolver um programa contínuo de conscientizacão dos jovens e de toda
populacão sobre como viver uma sexualidade saudável e não apenas no aspecto de
prevencão de AIDS, DSTs e gravidez não planejada, mas da saúde emocional das
pessoas. Pois, sexualidade não se reduz ao ato sexual. Almejamos uma política
pública voltada às problemáticas sociais que em sua grande maioria perpassam
pelo desenvolvimento psicossexual das pessoas: pedofilia, violência sexual,
crimes sexuais, preconceito de gênero, homofobia. Ou seja, todo e qualquer
relacionamento humano está inserido na educação afetivo-sexual.
Por isso, REPETIMOS que consideramos emergencial UMA
POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO AFETIVO-SEXUAL QUE ALÉM DO ENFOQUE
MÉDICO-HIGIENISTA-BIOLÓGICO JÁ EXISTENTE E TAMBÉM IMPORTANTE PASSE A ESCLARECER
SOBRE a SEXUALIDADE em sua totalidade. Envolvendo uma equipe multidisciplinar,
ou seja, profissionais da área de saúde: médicos, psicólogos, e educadores para
juntos construírem um programa que realmente contemple a educação
afetivo-sexual em todos os seus aspectos.
Devemos
entender que a história não é estática e sim dialética. História não é
fatalidade. E sim, possibilidade. E nós, ao mesmo tempo, que somos
condicionados pela história, também somos sujeitos históricos, o que significa
a possibilidade de mudança. E liberdade não é fazer o que se quer sem pensar
nas consequências. Liberdade implica acima de tudo em ética e responsabilidade.
Liberdade não é permissividade, banalidade. Liberdade é escolha consciente e
responsável. E não pensar apenas no prazer momentâneo, mas pensar no bem de si
mesmo, na sua saúde, e da pessoa com a qual você se relaciona.
Olá!
ResponderExcluirMuito bem colocada a sua entrevista! Parabéns! Mas como também compartilhei no Facebook, concordo que é preciso educar as pessoas para que elas tomem consciência de sua sexualidade no sentido afetivo como bem colocou em sua entrevista. Entretanto, mesmo sem defender o governo Dilma, apoio o que o Ministério da Saúde anda fazendo quanto ao marketing da camisinha. Penso que, por razões práticas e objetivas, deve-se insistir nesta medida de curto prazo. Já a falta de uma educação sexual de qualidade tem a ver com as deficiências da nossa escola e da falência ética da sociedade brasileira.
Abraços.
Certamente Rodrigo, eu em minha tese de doutorado aponto que as campanhas de DST´s e Aids do Ministério da Saúde são sim importantíssimas, mas por si só não são suficientes para conscientizar, por isso a necessidade de um programa mais amplo de educação afetivo-sexual. Porém, a forma como as propagandas são colocadas no carnaval, mesmo que não intencionalmente acabam sim, por estimular a vivência de uma sexualidade banalizada. O preservativo deve sim ser distribuído isso é indiscutível, mas creio que poderíamos encontrar formas mais educativas para as propagandas veiculadas nas campanhas não? Abraços e grata pela sua participação aqui.
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