sexta-feira, 18 de junho de 2010

HOMENAGEANDO JOSE SARAMAGO



OLHAR DE CAMINHANTE: pela superação da patologia da normalidade e resgate nossa afetividade

"Os olhos são as janelas da alma... e o espelho do mundo".   (Leonardo da Vinci)

Hoje o mundo perdeu, ao meu ver, um grande ser humano, o escritor português José Saramago. E para homenageá-lo vou escrever, foi assim que ele me cativou, vou rememorar alguns escritos meus de quando eu ainda estava terminando o doutorado.

Inspirada no livro de José Saramago, “Ensaio sobre a cegueira”, comecei escrever essas palavras...

... Nessas minhas idas e vindas, não me canso de observar o ser humano. Percebo como o individualismo tem imperado sobre a afetividade.
Cada dia mais, na luta pela sobrevivência o individualismo cresce, bem como, a solidão e a tristeza. Quantas pessoas vazias, nos bares, fingindo alegrias. Nas noites, sempre acompanhadas de pessoas diversificadas, mas no fundo, e no cotidiano, tristes e solitários.
Com quantas pessoas você pode contar a qualquer hora? De verdade? Pro que der e vier, em qualquer circunstância?
Pergunto-me: onde está o afeto?
Tenho observado pelas ruas pessoas apressadas, estressadas, esbarrando-se nas outras, sem sequer um pedido de desculpas, sem um gesto de acolhimento, sem um bom dia...
Entre mendigos, drogados, desempregados e empregados alienados... Penso que em maior número estão aqueles que não têm afeto. 
Fico pensando porque as demais pessoas que caminham pelas ruas e especialmente as nossas autoridades não enxergam ou não querem ver isto, que eu entendo ser uma das maiores  problemáticas da humanidade: o DESAFETO, o desamor, a perda da sensibilidade.
“A razão tem que estar acima da emoção”, estou cansada de ouvir isto!
Mas que razão? Esta razão egoísta, individualista, fria, gananciosa, condicionada pela sociedade consumista, mercantilista, capitalista, pós-moderna?
As pessoas não se permitem mais sonhar, amar, consideram isto perder tempo.  Suas vidas não tem espaço para sonhos e amores, suas prioridades são outras.  Creio ser este o maior mal da humanidade, uma patologia social gravíssima. Não saber ou não se permitir amar, a si mesmo, ao outro.
Sem afeto, não conseguimos enxergar nada além de si mesmo, e pior nem mesmo a si. Lamentável que, grande parte da humanidade está padecendo deste mal, cujo remédio não se encontra à venda, não existe a fórmula da sensibilidade, do afago na alma, de afeto no coração.
Uma das maiores causa da guerra, violênica e do egoísmo humano é a escassez desse antídoto afetuoso, falta abraço apertado, sorriso verdadeiro, beijo sem malícia, elogios sinceros, declarações espontâneas e puras de amor e de bem querer.
A sociedade do capitalista do cada um pra si e a mídia, usam seus artifícios ideológicos para nos tornar cegos (mesmo com olhos saudáveis), limitam nossa visão, nos torna frios, individualistas,  consumistas e quantitativos. E as instituições que deveriam emancipar e tirar essa venda que nos cega dos olhos, não tem conseguido fato fazê-lo. A escola estimula a competitividade e a igreja tornou-se um rentável mercado.
Durante a espera na rodoviária, observava as pessoas, olhares sem brilho, expressões de cansaço, tristeza, vazio...  Uns liam livros, revistas, outros cochilam, alguns procuram outros olhares, e há  aqueles que pareceiam já ter iniciado a viajem, antes mesmo de entrar no ônibus, com a mente longe...
Adentrando no ônibus e, continuava a observar... Olhares de saudade, despedida,  sofrimento, timidez, cansaço... de desamor, de falta de amor próprio e do outro... desesperançosos, ansiosos.
Cada um com sua singularidade... com seu jeito de olhar o mundo... Uns observavam o nada... alguns choravam... outros ouviam walkman... Havia aqueles que, apenas se fechavam dentro de si e dormiam... O meu olhar apenas observava... para tentar, quem sabe entendê-los, traduzi-los. No vidro do ônibus deparei com meu olhar, que como muitos, carregava um cansaço, mas se diferenciava dos outros porque trazia brilho, sonhos, afetos e esperanças...
A falta de afeto que impossibilita a visão humana do mundo está vitimando a humanidade. Com isso, as pessoas perdem a visão afetiva, da sensibilidade e respeito mútuo, passam a viver trancadas dentro de si. Como coloca Saramago “há muitas maneiras de tornar-se animal, está é só a primeira delas”.
“Ensaio Sobre a Cegueira” de Saramago é a crítica ao egocentrismo humano, utilizando metáforas vai mostrando a incapacidade adquirida pelo homem de olhar para os problemas do próximo, o desafeto presente nas relações sociais, na chamada sociedade globalizada.
Saramago nos mostra “a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam” e nos leva a perceber que estamos cegos da alma, dos sentimentos, da compreensão, da esperança, da tolerância e nos convoca, de certa forma, a assumir uma nova maneira de ver a si mesmo, o outro, o mundo...
Neste olhar interior, podemos encontrar o verdadeiro sentido da vida, para que a gente deixe de ver a vida, assim, em preto em branco e se estende também ao espírito, para que possamos enxergar a si e ao mundo sempre como extensão do outro...
Precisamos urgentemente resgatar o afeto, pois, só o afeto consegue manter viva uma das mais belas e necessárias qualidades que nos caracteriza plenamente como seres humanos: a sensibilidade. Dela decorre a capacidade de saber ouvir e se preocupar com o outro.
Esse texto vem de encontro com nossas aspirações e indignações como ser humano e como educadora ao vislumbrarmos uma educação que nos abra uma possibilidade de re-encantamento do mundo e da própria essência de nossa existência, e venha de encontro com um resgate da afetividade humana.
Precisamos conseguir romper com silêncio da normalidade, religar razão e emoção, corpo e alma; existência, essência e consciência, com a ciência; efetividade e afetividade.  Como afirma o Prof. Roberto Crema “religar conhecimento ao amor é o mais instigante desafio do momento...
Como afirmou um sábio o amor é a tecnologia mais sofisticada de todos os universos!... Sem amor não é possível reinventar e re-encantar o mundo, nenhuma sala de aula, nenhum aluno... Somente no dia que aprendermos a amar total e incondicionalmente é que receberemos um certificado de humanidade plena. Esta é a utopia humana e estamos aqui para fazê-la florescer.
 A sociedade vive um momento obscuro, mesmo diante de tantos saberes acumulados o homem tem cada dia mais sua interioridade empobrecida.
Como bem coloca Heidegger: “Nenhuma época acumulou sobre o homem conhecimentos  tão numerosos quanto a nossa. Nenhuma época conseguiu apresentar seu saber do homem sob uma forma tão pronta e tão facilmente acessível. Mas também nenhuma época soube menos o que é o homem.”
E A EDUCAÇÃO TEM, SEM DÚVIDA, UMA FUNÇÃO ACIMA DE TUDO HUMANA, buscando potencializar no homem a capacidade de  pensar criticamente, discernir, interpretar  e dar um sentido  à sua existência.
Vivemos tempos de modismos, onde uma avalanche de ideologias e desinformações caem sobre nossas mentes a cada instante.
Vivemos o tempo do olhar para si, quando sozinhos não somos nada, e como educadores; precisamos educar os nossos olhos, a maneira de olhar, como diz o poeta Manoel de Barros “beleza e glória nas coisas é olho que põe.” Se almejamos transformar o mundo, devemos começar a mudar a forma como o vemos.
Faz-se necessária ainda a educação para o escutar, pois, isto é o que antecede a compreensão, para que possamos “transcender esta realidade ab-surda”, esta surdez e silenciamento, mesmo frente aos gritos ensurdecedores de nossas crianças, jovens e, de nosso povo, diante da dor, da fome, da violência, da exclusão, da fragmentação social.
Me pergunto: não seria tudo isso uma maneira inconsciente de denunciar a violência a que estão sendo submetidos? O vandalismo, a violência, as drogas, o desamor, a realidade a que chegamos é o maior denúncia e o maior pedido de socorro de uma sociedade, que tendo sido condicionada, ou seja, inconscientemente levada à patologia da normalidade e da falta de sensibilidade.
 É necessário indagar quando vamos começar a educar nosso coração para o conviver com o outro, para o encontro, para o florescer como seres humanos, para querer bem sem olhar pra quem, para amar e se deixar ser amado.
Vamos esperar até quando para educar e aprender a viver juntos? Isto é uma utopia audaciosa eu sei! Mas como dizia Platão: “Sejamos razoáveis; peçamos o impossível!” Educar é mais que uma função, que uma especialização, que uma técnica,  é acima de tudo uma missão de fé, que transcende o possível.
Quem adere a normalidade, ao senso-comum e se contenta apenas com o possível está hipnotizado pelo sistema, pela ideologia da alienação coletiva, pelo poder vigente.
Como coloca o Prof. Roberto Crema: “O desafio da utopia é abrir espaço para o apocalipse humano. Vivemos em tempos de uma humanidade doente, numa UTI planetária. A patologia da normalidade.”
O que nos conforta  e revigora  são as pessoas que ainda se sensibilizam, que são capazes como eu, de sentir, na própria pele, as contradições do mundo, a dor do outro e pelo outro, que ainda se angustiam, que ainda têm insônias sóbrias, que não são apenas indignação estatuada, mesmo sendo chamados de loucos, idealistas, sonhadores e sentimentalistas. Enfim, de “anormais”, por ousarem viver fora desta normalidade, desta falta de sensibilidade, quando estes são, a meu ver, os raros seres iluminados com “a dádiva da sensibilidade e da face diferenciada, que não se dissipa na conformidade do rebanho.”
Às vezes, penso que nasci no mundo errado, e me culpo pelo excesso de afetividade, de preocupação com o outro, de sonhos, mas prefiro assim, a ser insensível. Eu não quero mesmo ser “normal”, se isto implica em ter que se adaptar, em se padronizar, aceitar e fortalecer a desumanização do homem.  Se isto for  normal e saudável para essa sociedade doente, eu ainda prefiro louca, eu prefeito ser ponte, a contemplar solitária e triste o horizonte, retomando Dante “cada pessoa é convocada a ser um Sumo Pontífice, a se fazer de ponte entre o céu e a terra, a desenvolver raízes e asas.” Como diz Saramago: “se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia.”
Eu não quero sofrer dessa patologia que consiste, muitas vezes, suportar o que não é para ser suportado, em tolerar o que é intolerável, em contemplar o que é desprezível! Eu ouso vislumbrar uma educação capaz de superar essa patologia normalidade e da falta de afetividade, onde assistimos a toda essa barbárie, essa ganância materialista insana, que aos poucos vem sendo deflagrada, e televisada; esses são os claros e visíveis sintomas de um estado, de uma sociedade decadente, e de que a educação precisa urgentemente rever seus propósitos, repensar o sentido da vida humana, para que possamos dar início à superação da alienação através de uma tomada de consciência.
E para isso, como diz o memorável José Saramago: “na sociedade atual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objetivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objetivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma. ”
 Finalizando, como Fernando Pessoa eu desejo: “Que as forças cegas se domem pela visão que a alma tem!”   


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